Memória e mitos da Guerra Peninsular em Portugal: A História Geral da Invasão dos Franceses de José Acúrsio das Neves

Abstract

O presente artigo questiona as condições de possibilidade da construção da memória histórica da Guerra Peninsular em Portugal. Privilegia a narrativa histórica e os "escritos patrióticos" de José Acúrsio das Neves, cuja pré-compreensão parece ter condicionado o nascimento da história política do século XIX. A análise da linguagem e a descodificação dos mitos, silencios e expectativas de um dos mais significativos historiadores do primeiro quartel do século XIX revelam que a emergência de um novo regime de historicidade não é independente da apropriação instrumental da História e da função do historiador na sociedade contemporânea. Mesmo suportando valores conservadores, a História retórica, pensada em função de uma concepção secularizada do tempo, cumpre a função de celebração de um futuro anterior, ou apenas antevisto, indicando os caminhos do triunfo militar e do Restauração da pátria. Daí a importância que revestem os conceitos de revolução, povo e pátria no discurso histórico e as representações descritivas ou narratológicas da guerra, da "guerrilha" e dos actores políticos.

This paper questions the conditions for the possibility of constructing the historical memory of the Peninsular War in Portugal. It focuses on the historical narrative and the "patriotic writings" of José Acúrsio das Neves, whose prescience seems to have conditioned the birth of political history in the nineteenth century. The analysis of the language and the decoding of the myths, silences and expectations of one of the most important historians of the first quarter of the nineteenth century reveal that the emergence of a new regime of historicity is not independent from the instrumental appropriation of History and from the role of the historian in contemporary society. Despite supporting conservative values, rhetorical History, thought of in relation to a secular concept of time, fulfils the function of celebrating a previous, or just foreseen, future indicating the paths of military triumph and of restoration of the homeland. Hence the importance that concepts of revolution, the people and the nation have in historical discourse, and the descriptive or narratological representations of war, of "guerrilla" warfare and of political actors.